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Quando uma dívida é levada à execução judicial, o executado responde com seu patrimônio. Em geral, os bens imóveis são um bom objeto de penhora, já que demonstram maior liquidez no mercado. Ocorre que nem sempre o executado é titular da propriedade plena do imóvel, casos em que inexiste o registro em seu favor perante o Registro de Imóveis. Por exemplo, é a hipótese em que vendedor e comprador outorgam apenas instrumento particular de promessa de compra e venda. Enquanto não realizarem escritura pública do negócio e a registrarem no RGI, existirá apenas um direito de aquisição em favor do promitente comprador (aquele que prometeu comprar). Veja-se o que diz o art. 1.227 do Código Civil:
Art. 1.227. Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código.
Em casos como este, seria impróprio penhorar a propriedade do imóvel, justamente porque o executado dispõe apenas de direitos aquisitivos sobre o bem. Trata-se do chamado direito e ação, instituto que é usado na prática forense para referir-se aos casos de alienação dos direitos aquisitivos. Assim, sendo o promitente comprador devedor de obrigação então executada, poderá ter seu direito e ação sobre imóvel, penhorado para a satisfação do crédito.
Desta forma, dá-se o leilão dos direitos aquisitivos fazendo-se mencionar expressamente no edital que o objeto da alienação é o direito e ação, e não a propriedade plena. Trata-se de requisito essencial do edital, capaz de anular o leilão judicial se não for cumprido. Assim entendeu a Oitava Câmara Cível do TJ/RJ:
APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À ARREMATAÇÃO. ANULAÇÃO DE LEILÃO DE IMÓVEL. AVALIAÇÃO DO BEM, QUANDO DEVERIA TER SIDO DO DIREITO E AÇÃO. CONTROVÉRSIA ACERCA DO ÔNUS SUCUMBENCIAL. 1. Trata-se de embargos à arrematação opostos contra a hasta pública ocorrida em ação de cobrança de cotas condominiais. 2. A sentença julgou procedendo o pedido, anulando o leilão e a arrematação, bem como determinando o rateio entre as partes das custas e honorários advocatícios, assim como das despesas do leilão anulado. Deferiu a julgadora, ainda, o levantamento pelo arrematante do valor depositado pela arrematação. 3. O julgado foi muito bem fundamentado, tendo como principal ponto o fato de que na execução em apenso já houve a suspensão do primeiro leilão, uma vez que no edital constava como objeto o imóvel e não o direito de ação sobre o mesmo. Preclusão da matéria. 4. Ônus sucumbencial. Princípio da Causalidade. 5. Gratuidade de justiça concedida ao Espólio. 6. Provimento parcial do terceiro apelo. Demais recursos desprovidos. (TJ/RJ - 0026022-02.2010.8.19.0209 - APELAÇÃO - Des(a). MÔNICA MARIA COSTA DI PIERO - Julgamento: 19/07/2016 - OITAVA CÂMARA CÍVEL)
Adquirido o direito e ação pelo arrematante, surge o debate sobre a natureza desta aquisição. O entendimento clássico é no sentido de que a aquisição gera para o arrematante o direito a exigir a realização da escritura definitiva ou a propor ação de adjudicação compulsória em face daquele que prometeu vender o imóvel. Trata-se da leitura direta do art. 1.418 do Código Civil:
Art. 1.418. O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.
Todavia, tornou-se pacífico o entendimento de que a arrematação constitui aquisição originária da propriedade, a exemplo da usucapião, de forma a se constituir a propriedade plena em favor do arrematante, a despeito da penhora ter recaído sobre o direito e ação. Este entendimento ganha especial relevância nos casos em que a ação originária funda-se em cobrança de débitos condominiais pelos quais, por sua natureza propter rem, responde o próprio imóvel diretamente. Ademais, a aquisição originária da propriedade pela arrematação prestigia a economia processual e a efetividade da justiça, vez que afasta a exigência de ajuizamento da ação de adjudicação compulsória.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO JUDICIAL. DÍVIDA DE CONDOMÍNIO. ARREMATAÇÃO DE DIREITO E AÇÃO. POSSIBILIDADE DE TRANSFERÊNCIA DA PROPRIEDADE. RECURSO PROVIDO. 1. Ação de cobrança de cotas condominiais, movida em face de promitente compradora de sala comercial, em fase de execução. 2. Arrematação, em hasta pública, da unidade devedora. 3. Circunstâncias do caso concreto, como avaliação e tempo de ocupação da sala, que permitem concluir que na verdade foi alienada a plena propriedade do bem, mesmo porque se trata de forma de aquisição originária da propriedade. 4. Nada impede, portanto, que seja expedida carta de arrematação para a transferência da propriedade e não apenas do direito e ação. Jurisprudência recente desta Corte, com apoio no entendimento do STJ, que apoia essa possibilidade e não vislumbra ofensa ao princípio da continuidade dos registros públicos. 5. Provimento do recurso. (TJ/RJ - 0055795-93.2017.8.19.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO - Des(a). ANTÔNIO ILOÍZIO BARROS BASTOS - Julgamento: 14/03/2018 - QUARTA CÂMARA CÍVEL)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE COBRANÇA DE COTAS CONDOMINIAIS, EM FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PENHORA E ARREMATAÇÃO, EM HASTA PÚBLICA, DE ¿DIREITO E AÇÃO¿ DO IMÓVEL SOBRE O QUAL RECAI A DÍVIDA. ARREMATANTE RECORRENTE QUE PUGNA PELA EXPEDIÇÃO DE NOVA CARTA DE ARREMATAÇÃO, COM EXPRESSA DETERMINAÇÃO PARA A TRANSFERÊNCIA DA PROPRIEDADE PLENA. AGRAVADA A DECISÃO A QUO DENEGATÓRIA. REFORMA. 1. De fato, a jurisprudência do STJ e do TJRJ possui entendimento consolidado no sentido de que a arrematação judicial de imóvel em hasta pública é uma das modalidades de aquisição originária da propriedade, não havendo que se falar em ofensa ao princípio da continuidade do registro público. Isso porque não haveria relação jurídica ou negocial entre o arrematante e o anterior proprietário do bem, o que permitiria o registro imediato da carta de arrematação. Além disso, não seria razoável, tendo em conta os princípios da celeridade e da economia processual, que o arrematante fosse obrigado a ajuizar demanda diversa para só então ter a propriedade plena sobre o imóvel ora arrematado. 2. Com efeito, os precedentes que embasam essa construção inserem-se, notadamente, no contexto de cobrança de cotas condominiais em que é destacada a natureza propter rem da obrigação. Nestes casos, como o próprio bem responde pela cobrança levada a efeito, não importa na mão de quem ele se encontre. RECURSO A QUE SE DÁ PROVIMENTO. (TJ/RJ - 0047024-29.2017.8.19.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO - Des(a). MARCIA FERREIRA ALVARENGA - Julgamento: 25/10/2017 - DÉCIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL )
Em casos como estes, os juízos de 1º grau têm determinado a expedição de Carta de Arrematação contemplando a aquisição da propriedade plena, possibilitando ao arrematante tornar-se proprietário do imóvel com o simples registro da Carta perante o RGI. |
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